Um conto sobre Banderas

As crianças sorriem com uma facilidade impressionante. Os adultos, com um pouco mais de dificuldade. Mas para um morto-vivo que já viveu algumas vidas de homens mortais, o sorriso é uma verdadeira raridade. Entretanto, alguns dizem que o então Príncipe Dom Álvaro Velasquez, de Detroit, tinha quase um esboço de sorriso nos lábios quando entrou no avião que o levaria para a Espanha. Seu objetivo com a viagem era realizar um capricho seu: Abraçar e trazer para a Detroit um vampiro exótico, para imprimir ainda mais medo em seus inimigos e adquirir um maior status entre os seus aliados. Desejava não qualquer espanhol para o cargo, mas um legítimo toureiro, para lhe servir de constante lembrança de sua terra natal. Velasquez despendeu muito tempo em sua busca, pois quando se trata de tempo, criaturas imortais não têm nenhum motivo para se apressar. Por muito tempo ele procurou até achar o que queria.

Seu nome verdadeiro não se sabe até hoje, mas alguns vampiros mais novos de Detroit passaram a chamá-lo de "Antonio Banderas" quando souberam que tinha chegado na cidade, como que por chacota e por inveja também, pois ele era tido como o protegido do Príncipe e por tabela, do temido Denzel. Longe de se sentir incomodado, ele simplesmente adotou este nome, inicialmente com o objetivo de protejer o seu nome verdadeiro e posteriormente como uma maneira de deixar seu passado mortal completamente para trás. Por este motivo, mesmo nesse momento quando seu apelido não lhe havia sido atribuído, ele será mencionado como Banderas.

A futura cria de Velasquez era na verdade, o pior toureiro de que se teve notícia na Espanha, o que obviamente não era o planejado pelo príncipe de Detroit. Ele não tinha a elegância dos outros toureiros e fazia apresentações em arenas muito pouco populares, depois de outros profissionais mais experientes e respeitados. Conta-se que em determinada noite Velasquez estava se retirando da arquibancada junto com a multidão quando percebeu que um último toureiro ainda ia se apresentar. Resolveu então permanecer sentado assistindo a esta última apresentação junto com uma dúzia de pessoas que aguardavam que as saídas ficassem menos tumultuadas.

Velasquez viu então uma cena que jamais esqueceu até o momento de sua suposta destruição, pois Banderas entrou na arena não como os outros toureiros, mas sim com dois sabres em suas mãos. Quando o touro foi libertado, em vez de esperá-lo como os outros fariam, Banderas correu de encontro a ele, e Velasquez percebeu que estava assistindo na verdade uma disputa entre duas bestas sedentas por sangue, e não uma tourada em seu tradicional formato. Mais do que isto, percebeu então o que estava realmente procurando. Almejava a criação de um vampiro peculiarmente monstruoso. Não uma monstruosidade exteriorizada como um Gangrel ou Nosferatu teria, mas uma monstruosidade originada em sua própria alma. Banderas desferiu logo uma série de golpes com grande habilidade, mas com imenso ódio, como se não quisesse proporcionar um espetáculo de sangue que é a tourada, mas como quem quisesse se provar como um demônio com sabres, que era o que ele realmente era, e como se descontasse a raiva de todas as injustiças e desilusões de sua vida no seu adversário.

Em menos de um minuto o animal estava no chão e Velasquez sabia que assistira o toureiro menos virtuoso de toda sua busca, mas naquele momento mesmo deciciu que iria conhecer mais sobre aquele que em breve abraçaria. Passou algum tempo assistindo à todas as suas curtíssimas apresentações de fim de noite e ordenando que o vigiassem em sua vida fora das arenas. Quando descobriu que sua futura cria era, além de um toureiro de pouco talento um pistoleiro traficante de drogas, Velasquez não teve a menor dúvida e abraçou Banderas sem lhe dar escolha alguma, o que não tinha o hábito de fazer.

E foi assim que Banderas morreu para o mundo dos homens e nasceu para o mundo da escuridão segundo o que se é comentado entre os vampiros de Detroit, mais pelos que o querem a seu lado do que pelos que o desdenham sem saber a tolice e o enorme risco de destruição iminente a que se submetem ao fazê-lo.

E quando Banderas chegou à corrompida cidade de Detroit, tinha uma postura completamente fechada. Desconfiava de tudo e de todos, mantendo ao menos uma das mãos levemente encostada em uma de suas armas (duas pistolas glock) sempre que sentia a presença ameaçadora de qualquer outro vampiro. Ao contrário do que se poderia supor, Velasquez não iniciou Banderas aos Invictus, mas o deixou livre de qualquer obrigação para com a coalizão.

Sua intenção obviamente não era garantir a liberdade de escolha do neófito, mas sim tentar persuadi-lo futuramente a se infiltrar no Círculo da Anciã ou na Ordo Dracul para atuar como verdadeiros olhos do Príncipe. Pois Banderas era o preferido de Velasquez, seu protegido, mas por mais que assim fosse, não lhe era imposto (e nem lhe seria permitido) que passasse mais que uma ou duas noites por semana no que alguns vampiros dos Invictus chamavam de "treinamento". Por essa razão, ele passava a maior parte do tempo vagando pelas noites de Detroit completamente sozinho. Sentia-se frustrado, pois em sua vida mortal já era um assassino, mas agora como vampiro, matar pessoas havia se tornado uma coisa banal. A sua vontade era de destruir outros vampiros, adversários à sua altura. Porém, recém-abraçado, era obrigado pela prudência a curvar-se perante todos os outros para garantir a sua sobrevivência.

Assim se passaram alguns anos, até que Denzel, xerife, abraçou James Ryan. O Príncipe se aproveitou então que seu braço direito já não seria mais o mesmo, pois agora estaria debilitado pelo fardo de proteger e treinar Ryan e incubiu-o também de orientar Banderas para ficasse capacitado para sobreviver por conta própria na violenta cidade sem precisar responder a ningúem senão a ele. Ryan era completamente diferente de Banderas, pois tinha sido um playboy quando ainda era vivo, sem nunca ter feito mal a ninguém e sem nunca ter tido problema nenhum na vida. Demorou muito tempo até que Banderas parasse de sentir vontade de matá-lo quando ele se lamentava da destruição causada nos carros em que tomava "emprestados sem consentimento", pois ele tinha essa estranha mania de retornar ao dono original todo veículo que roubava.

E assim o tempo se passou, até que o Príncipe forjasse sua destruição incriminando Denzel. Banderas (que já confiava muito mais em Denzel do que em Dom Álvaro) se viu desamparado, pois se antes tinha dois Anciões para lhe proteger, agora sentia que podia recair sobre ele a fúria de todos que odiassem a qualquer um dos dois. Por isso, na noite seguinte abandonou o porão do teatro onde era seu refúgio e partiu para o zoológico, a fim de encontrar-se com Denzel pois lá era o seu domínio. Mas este havia desaparecido, e a única criatura que ele encontrou no antigo domínio do ancião foi James Ryan, que se encontrava vigiando o local displicentemente, sem saber ainda do acontecido. Os dois puseram de lado as diferenças para unir as poucas forças que tinham, pois agora Denzel não estaria mais ao lado deles.

Ficaram então, acompanhando toda a movimentação que acontecia durante os Elísios, que passaram a ser mais frequentes nesse período conturbado. Alexander, que tomou para si o trono, delegava inúmeras missões a todos os vampiros, inclusive os mais jovens, com o objetivo de encontrar Denzel, suposto assassino de Velasquez, seu antigo aliado.

Sempre que um grupo de investigação não retornava Alexander se animava, pois imaginava que ali poderia estar escondido o Ancião que procurava. Mas Denzel jamais foi descoberto (e talvez mesmo que tivesse sido, pouco pudesse ser feito) e os desaparecimentos continuavam acontecendo... O príncipe ordenou então a Banderas e Ryan que invadissem a Mansão, uma enorme construção afastada do centro da cidade que servia como sede para o Círculo da Anciã, para que verificassem um possível envolvimento da coalizão com os desaparecimentos, pois como todos sabem, de longa data é a rixa entre a Lancea Sanctum e os praticantes de Crúac.

Mas esta empreitada não foi bem sucedida. Ryan conseguiu ainda escapar com muita dificuldade dos aposentos mas Banderas foi capturado, vítima das árvores amaldiçoadas que protegiam os jardins da mansão enquanto tentava se evadir do local. Morrigan, anciã da coalizão invadida, "apiedou-se" do jovem vampiro e permitiu que vivesse apesar do que fizera, ganhando o eterno respeito deste. Entretanto, em segredo, orientou um vampiro recém integrado à coalizão que se juntasse ao grupo para garantir que jamais saíssem da linha novamente.

Foi quando dos exaustivos trabalhos investigativos na Orquídea (centro de operações do Círculo em Detroit) surgiu o misterioso Rich Thomas. Ele mais se aparentava a um fantasma que um vampiro propriamente dito, mas logo Ryan e Banderas puderam perceber que aquele que se juntava aparentemente despropositadamente ao grupo seria de grande utilidade nas investigações em que os dois se envolviam, pois Rich era habilidoso nas artes investigativas e de espionagem, um assassino implacável de muitos disparos e poucas palavras.

Os três unidos descobriram que o desaparecimento dos vampiros na verdade não estava ligado a Denzel mas sim à chegada do clã VII, vampiros destruidores de vampiros, que estavam secretamente ligados a Dominick, um jovem e ambicioso vampiro dos Invictus que os acobertava e financiava pedindo apenas que poupassem os vampiros de sua coalizão e que eliminassem os desafetos dos Invictus com prioridade.

Por ter solucionado este mistério e principalmente por ter reportado primeiramente a Germanos, um dos líderes dos Invictus, sobre os atos criminosos de Dominick antes do príncipe, Banderas ganhou respeito e garantiu sua entrada para a coalizão, dando fim a toda uma era de pobreza e roupas avariadas por lâminas, balas e principalmente garras de gangréis para ingressar no mundo de riqueza, poder, status e muitas intrigas que é o grupo dos Invictus.